Neste mês da mulher, trouxemos o texto de Jennifer Armstrong do livro Coffee at Luke’s para refletir: O que Gilmore Girls tem a nos ensinar sobre a mulher dos dias de hoje?
“Foi quando minha vida profissional deu um salto chocante que eu comecei a questionar se eu queria levar adiante o casamento que estivera planejando com o amor da minha vida. Eu havia passado os dez anos de namoro querendo que ele me pedisse em casamento; eu já imaginava os votos em minha cabeça, escolhia as músicas para nossa primeira dança… e por levar aquilo tão a sério, pulei determinada para os preparativos do casamento quando ele finalmente fez a pergunta.

Aí consegui o emprego dos meus sonhos na revista Entertainment Weekly e, o que é pior, comecei a me dar bem, ganhei reportagens de capa, fui promovida. Pior ainda, comecei a fazer amigos na mídia e no mundo literário da cidade de Nova York, o que me põe em constante companhia de poderosos editores, agentes e redatores que pareciam acreditar em minhas ambições profissionais. Percebi que poderia ser mais do que uma simples redatora de revista. Percebi que poderia ser exatamente o tipo de pessoa que eu mal ousava sonhar em ser – alguém que teria, ao mesmo tempo, fascinado e assustado a garota que eu era no colégio. A garota que eu era quando conheci meu noivo. A garota que eu não tenho interesse algum em relembrar e muito menos ser.
Eu então adiei o casamento que quis minha vida toda e, no fim, cancelei.

Desde então, assisti com certa atenção uma tal Lorelai Gilmore adiar a data do casamento quando ficou noiva de sua alma gêmea, Luke Danes… e depois usar sua excelente capacidade profissional para planejar o casamento perfeito em tempo recorde… e depois deixá-lo adiar o casamento quando as coisas ficaram complicadas entre eles… e depois cancelar de vez. Eu suponho que ela tenha pulado fora porque cansou de esperar que ele acertasse sua relação com a recém-chegada filha. Mas essa não foi a primeira vez que ela abandonou um noivado – ela havia fugido da cidade num casamento anterior. E ela não conseguiu levar o compromisso com Christopher adiante depois de se casar com ele numa viagem à França.

Eu achei que se eu examinasse a vida dela mais de perto, talvez entendesse um pouco mais a minha própria bagunça. Afinal de contas, eu sempre me identifiquei com a teimosia dela, a alegria de viver e a paixão por comer besteiras. E nós duas nos tornamos sinônimos (ela para os fãs de Gilmore Girls e eu para o meu círculo de amigos) de um fenômeno do século 21: as mulheres pés-frios.
E agora eu percebo que não foram as características anteriores, mas outras qualidades em comum que nos fizeram tremer na base: nós duas somos mulheres bem-sucedidas profissionalmente (ela e sua melhor amiga têm uma pousada e, além do meu emprego, minha melhor amiga e eu temos um site) sem relógios biológicos (ela tem uma filha e eu não estou interessada em uma). Ela vive num mundo de desejos e pensamentos feministas criado por Amy Sherman-Palladino, onde mães solteiras criam filhas brilhantes e os homens não são nada mais do que distrações insignificantes. Eu vivo num mundo pós-feminista que apareceu com a chegada de Gilmore Girls, um lugar onde Maureen Dowd pergunta ‘Homens são necessários?’ e nós respondemos ‘De jeito nenhum’. As garotas modernas podem não falar tão rápido quanto as Gilmore ou trocar diálogos inteligentes com pessoas excêntricas, mas com o avanço do poder feminino, nós estamos quase lá.

Pois é, por trás das referências à cultura pop, se esconde uma ideologia de que as garotas mandam. Ally McBeal e Murphy Brown deram duro como mães solteiras, Sex and the City fez a sexualidade feminina evoluir por quase oito anos e Buffy, a Caça-Vampiros e Alias nos mostraram mulheres que davam porrada literalmente. E Gilmore Girls é a série que descreve um lugar onde Thelma e Louise gostariam de escalar uma montanha para chegar.
E mulheres como eu estão se transformando em Lorelais e Rorys completamente realizadas. As faculdades agora estão cheias de Rorys extremamente competentes, enquanto as mulheres realizam cada vez mais os papéis masculinos.

Em Stars Hollow, os homens ficam pra trás. Os diálogos dinâmicos entre Rory e Logan parecem dar a eles a química que ela nunca sonhou em ter com o ex Dean, mas ele prefere ficar preso à sua riqueza. ‘Então isso é trabalho pesado’, ele zombou depois de ajudá-la com uma emergência do jornal da escola. ‘Por alguma razão eu preferi evitar isso.’ (T6E13: ‘Friday Night’s Alright for Fighting‘).
Luke, por outro lado, nem conseguiu acreditar que sua filha era superinteligente. E ela foi até ele apenas para usar seu DNA num projeto da feira de ciências. Ela e a mãe não queriam dinheiro nem contato com ele. Pais são curiosamente inúteis ali: o pai de Rory, Christopher parou de encher o saco das garotas Gilmore e começou a ajudá-las financeiramente só depois de herdar uma baita fortuna de sua avó (ainda bem que ele não teve que trabalhar pra isso, né?). E a amiga de Rory, Lane, aparentemente tem um pai, mas ele é invisível, nunca foi visto na tela. Nós só conhecemos sua mãe nem um pouco tolerante.

De fato, a única figura paterna presente ali é o pai de Lorelai, Richard. Ele e a mãe de Lorelai, Emily, preservam os valores tradicionais, com Richard se mostrando incapaz de deixar sua profissão mesmo depois de se aposentar e Emily organizando festas e eventos sociais. Por isso a relação de Lorelai com os seus pais sempre foi tensa – assim como a de Logan com seus pais conservadores e a de Lane com os seus. Uma série que nasceu da parceria entre seu canal original, a WB, e o Fórum de Programação Familiar se tornou um dos programas menos matrimoniais da TV.

Até a Emily reconhece o lado ruim de sua vida tradicional: ‘Eu nunca fiz nada’, ela disse durante um raro momento de humildade, após ver Lorelai atender uma ligação do trabalho. Depois ela explica para Rory: ‘Eu estava apenas admirando a vida da sua mãe’ (T4E15: ‘Scene in a Mall‘).
Há, é claro, muitas coisas para se admirar na vida de Lorelai. Ela é demais. Ela tem uma ótima filha, com quem ela tem uma relação invejável. Ela tem uma pousada e não se cansa de ajudar seus amigos.

É isso o que a faz tropeçar em cada romance, de Christopher (seu primeiro amor desde o nascimento de Rory, quando tinha 16 anos), passando por Max (o professor perfeito que ela abandonou após aceitar seu pedido de casamento) até Luke: ela não precisa de um homem para nada, é impossível para ela se firmar com alguém de quem ela gosta, para sempre. Você pode argumentar que ela simplesmente não quer lidar com a mancada do Luke – a insistência dele em manter Lorelai e a filha dele em mundos separados. Você pode argumentar que ela simplesmente quer ficar com o Christopher. Mas eu argumento que ela é simplesmente uma típica mulher ultramoderna, assim como eu: quando você tem tudo o que sempre quis, é difícil imaginar onde encaixar um cara.
É por isso que parece tão errado mesmo quando está certo. ‘Eu nunca me casei porque não é fácil e eu geralmente surto e estrago tudo.’, diz Lorelai a Rory depois de terminar os planos para seu casamento com Luke. ‘Mas eu ainda não surtei por causa do Luke. Por que eu ainda não surtei por causa do Luke? E se isso for um sinal de que as coisas não devem ser tão fáceis, de que eu não devo ficar com o cara que eu quero?’ (T6E11: ‘The Perfect Dress‘).

Lorelai Gilmore é o que há de errado com tantas relações modernas. E mesmo assim, como em muitas relações modernas, são os rapazes que levam a culpa em Stars Hollow. Quem arruinou todas as chances de Lane de fazer sucesso com sua banda de rock, Hep Alien? Seu namorado guitarrista, Zack, que deu vexame no palco (por estar emocionalmente frágil após uma briga que eles tiveram) quando empresários musicais foram assisti-los tocar. E como Rory se viu na maior confusão de sua vida? Logan – pelo menos de acordo com a mamãe Gilmore. ‘Vamos fazer um balanço de todas as coisas maravilhosas que aconteceram desde que você entrou na vida da minha filha.’, irritou-se Lorelai quando ele a pediu que o ajudasse a ter Rory de volta. ‘Ela foi presa, condenada, está em condicional, terá uma ficha criminal, abandonou a faculdade, saiu de casa, não falou comigo por cinco meses, três semanas e dezesseis dias.’ (T6E12: ‘Just like Gwen and Gavin‘).

As Gilmore são muito ocupadas, maduras e competentes para se deixarem atrapalhar por meros homens mortais. Como personagens, elas não percebem isso, e elas são suscetíveis aos encantos masculinos como todas nós, mas o mais importante é (e, quem diria, é um personagem masculino que chega a essa conclusão): ‘Vamos parar de brigar, ok?’, disse Luke a Lorelai durante um triste encontro no mercado após a separação. ‘Você volta a ser Lorelai Gilmore e eu voltarei a ser o cara do restaurante que serve seu café.’ (T7E2: ‘That’s What You Get, Folks, for Makin’ Whoopee‘).
É complicado decidir nos dias de hoje quanto do mundo nós podemos conquistar: nós queremos apenas um cara do restaurante para servir nosso café ou nós temos espaço para os homens em nossas vidas?”

Jennifer Armstrong é redatora da Entertainment Weekly e cofundadora da revista feminina online SirensMag.com.