Originalmente escrito em inglês por Saul Austerlitz e publicado no dia 23/11/2020.
Tradução: Guto Júnior
Há muito tempo, em uma época e lugar bem distantes onde pessoas podiam se divertir juntas livremente na companhia de estranhos, mais conhecido como dezembro de 2019, uma enorme multidão estava reunida nos estúdios da Warner Bros. em Burbank. Houve um duelo de bótons entre Team Jess e Tem Dean enquanto os sempre bem-humorados guias de turismo faziam seu discurso habitual sobre Harry Potter (alguém da Sonserina aqui hoje?) e Batman, as pessoas ali presentes estavam interessadas em apenas uma coisa: visitar Stars Hollow.
O estúdio recriou rapidamente a pitoresca cidade de Connecticut da série Gilmore Girls, que foi ao ar de 2000 a 2007, e as filas se formavam em frente à Lanchonete do Luke e do coreto da cidade para que você tivesse sua foto tirada pelos funcionários da Warner Bros. Era tudo cenográfico, com lembrancinhas à venda com tema da série (comprei as minhas, é claro), mas também serviu de lembrete do quanto as pessoas amam loucamente essa série carinhosa, espirituosa e amável sobre família e convivência.
Outubro marcou o 20º aniversário da estreia de Gilmore Girls e esta semana, o revival de 2016, Gilmore Girls: Um Ano para Recordar, irá estrear como uma minissérie especial na CW, o canal onde tudo começou, quando ainda era conhecido como The WB. (Um Ano para Recordar estreou na Netflix). A estreia tardia é a tentativa da CW em preencher um buraco causado pelas consequências da Covid em sua programação original, mas também é uma prova do apelo contínuo de Gilmore Girls.
Gilmore Girls estreou em 5 de outubro de 2000, e no mês passado trouxe mais evidências de seu status como uma ótima lembrança dos anos 2000. Algumas das estrelas da série, incluindo Keiko Agena e Yanic Truesdale apareceram no Good Morning America para comemorar o 20º aniversário da série. A criadora de Gilmore Girls, Amy Sherman-Palladino, e seu marido, o escritor e produtor executivo Daniel Palladino, fizeram uma declaração homenageando “um elenco que mudou nossas vidas”. A estrela Lauren Graham prestou homenagem aos fãs de Gilmore no Twitter: “Sua bondade e devoção a esta série me trouxe muita alegria ao longo dos anos.”
Sherman-Palladino, cujo talento para diálogos inteligentes e nuances emocionais cuidadosamente elaboradas foram os principais ingredientes para o apelo contínuo da série, disse que por causa da pandemia, ela esqueceu sobre o aniversário até que alguém a lembrou no começo do ano.
“Comemorar aniversários está em segundo plano agora”, disse ela. “Você está apenas tentando evitar que pessoas tussam e espirrem na sua direção” (Muitos veteranos da série têm apenas uma palavra quando perguntados como o aniversário os fazia se sentir: “Velhos”. É “como precisássemos ser chamados à Casa do Cinema e reservássemos uma sala”, disse Sherman-Palladino).
Mas ela continua feliz em falar sobre a origem da série que ainda é sua mais famosa criação, mesmo em uma carreira que inclua a cultuada Bunheads e o sucesso da Amazon ganhadora de vários Emmys, Maravilhosa Sra. Maisel.
“Sempre que você faz algo que interesse às pessoas por uma semana”, diz, “é maravilhoso”.
Poucos teriam previsto em 2000 que Gilmore Girls seria tão duradoura. Nunca foi um grande sucesso durante seus sete anos. nunca alcançou o grande público, nunca foi indicada a uma categoria principal do Emmy, nunca teve o burburinho do você-deve-assistir que outras séries da época tiveram. Mas por meio do boca a boca, das vendas de DVD, da nostalgia dos millennials e do poder da Netflix, que deu o sinal verde para o revival em 2016 depois de comprar os direitos de streaming da série, novos fãs, alguns dos quais ainda não haviam nascido quando a série estreou, descobriram Lorelai e Rory.
“Não tem um dia em que uma garota de 14, 15, 16 anos não me diga que está assistindo agora”, disse Truesdale, que interpretou o amargo colega de trabalho de Lorelai, Michel.
Nos anos 90, Sherman-Palladino era roteirista da série de sucesso da ABC, Roseanne — antes da criadora Roseanne Barr “criar teorias da conspiração”, observou ela. Eventualmente, a roteirista teve um “colapso massivo” e percebeu que não queria mais trabalhar em comédias de meia-hora. Seu marido, Daniel Palladino, à época integrando o time de roteiristas de Family Guy, a convenceu a tirar um tempo de folga para escrever algo original. Havia poucas distrações à vista.
“Foi quando Courtney Love e Edward Norton estavam namorando e ela alugou uma casa do outro lado da rua”, Sherman-Palladino relembrou. “Todo dia às três, eu assistia Edward Norton chegar e Courtney Love sair correndo de camisola e pulando nele até os dois entrarem, e essa foi minha maior empolgação por algumas semanas.”
A ideia da série era contar a história de uma adolescente estudiosa cuja melhor amiga era sua mãe de 30 e poucos anos. O pano de fundo seria uma idílica cidade de Connecticut cheia de estranhos e excêntricos, e o tom seria uma mistura de comédia e drama voltados para os personagens, tudo em um ritmo maluco.
“Dos fãs com quem falo, eles geralmente se enquadram em duas categorias”, disse Sheila Lawrence, roteirista de longa data da série. “Ou eles têm um relacionamento como Lorelai e Rory ou desejam desesperadamente ter um relacionamento como Lorelai e Rory.”
Depois que a série foi aprovada pela The WB, Sherman-Palladino insistiu por esperar até encontrar os atores certos para cada papel, independentemente de suas experiências anteriores ou fama. Sherman-Palladino escolheu Graham para o papel de Lorelai em vez de várias atrizes mais conhecidas, pelo menos, em parte, por sua perspicácia literária.
“Ela é a primeira atriz que pronunciou o nome ‘Kerouac’ corretamente”, disse Sherman-Palladino ao marido depois de vê-la.
Para a showrunner, Graham foi uma bela lembrança do passado, em uma época de atrizes cativantes e falantes: “Na era da comédia maluca, Carole Lombard teria saído pela porta e ela teria tomado seu lugar”, disse Sherman-Palladino.
Gilmore foi teimosamente insistente na riqueza da simplicidade. Roseanne ofereceu um lema útil, cortesia do produtor Bob Myer, que Sherman-Palladino levou para sua própria série: “Faça o pequeno ser grande, faça o grande ser pequeno.” Houve episódios sobre Lorelai se vestindo inadequadamente para visitar a nova escola esnobe de Rory, e Rory tirando um D em um teste. Gilmore evitou cuidadosamente o que Sherman-Palladino chama de enredos do tipo “Quem matou a Sookie?”.
O tom foi estabelecido no momento em que o time de roteiristas foi montado. “Amy estava nos contando sobre a série”, disse John Stephens, que esteve na equipe de roteiristas de Gilmore por quatro temporadas. “Ela disse: ‘Esta série é sobre uma mãe e uma filha que são melhores amigas, além de serem mãe e filha, e cada conflito e dinâmica devem ser repetidos nesse ponto.'”
Enquanto a série compartilhava uma estética polida com outras da WB naquela época, como os dramas adolescentes Dawson’s Creek e One Tree Hill, a escrita os diferenciava. Os roteiros eram “muito sofisticados e brilhantes, e estávamos nesse novo canal que era de séries para adolescentes”, disse Jamie Babbit, que dirigiu 18 episódios de Gilmore Girls.
No início Gilmore foi assustadora para os atores, que tinham que decorar roteiros com 20 páginas a mais do que outra série de uma hora. Para tornar as coisas mais difíceis, Sherman-Palladino insistiu que eles entregassem as falas exatamente como estavam escritas. “Esta foi uma série onde se você mudasse uma palavra, eles cortariam”, disse Truesdale.
Os atores também tiveram que se adaptar à crença de Sherman-Palladino, de que os personagens da televisão nos anos 2000 deveriam soar como Cary Grant e Rosalind Russell.
“O feedback era ‘Isso foi ótimo. Podemos fazer de novo, um pouco mais rápido?'”, disse Agena, que interpretou Lane, a melhor amiga de Rory. George Bell, o treinador de diálogo da série, pedia aos atores convidados para “Gilmorizarem” suas performances. Quando olhavam para ele, confusos, ele explicava: “Acelere. Você só precisa acelerar”.
Os diálogos, de acordo com Babbit, eram rápidos demais para permitirem uma edição tradicional: “Seria como assistir a uma partida de pingue-pongue”, disse ela. Em vez disso, a série preferiu colocar dois personagens no enquadramento e deixá-los conversar, com cenas preenchendo cinco ou dez páginas do roteiro, em vez da página e meia de sempre.
Scott Patterson, que interpretou o dono da lanchonete, Luke, o interesse vai-ou-não-vai de Lorelai, disse que ele e Graham rapidamente perceberam que tinham que parar de fumar se quisessem sobreviver. “Ela precisava de fôlego, e eu também”, disse ele.
As mudanças no roteiro, além do volume e do ritmo do diálogo, deixava os atores confusos. Patterson relembra de um dia de filmagem que começou com “uma cena de 10 páginas que saiu da sala dos roteiristas às 6h30 da manhã”, disse ele. “Lauren e eu estávamos sentados na cadeira de maquiagem”, disse ele. “Olhamos um para o outro com esse terror abjeto e então fomos trabalhar.”
Bledel, uma modelo e estudante universitária com experiência limitada em televisão, precisava de mais ajuda do que as outras no início, nem mesmo sabendo para qual câmera ela deveria se posicionar. “Eu me lembro de dizer à Lauren em um ponto, ‘Eu amo quando estou assistindo à série, como você está sempre a tocando'”, disse Kelly Bishop, que interpretou a férrea matriarca Emily Gilmore. “Ela disse: ‘Na verdade, o motivo pelo qual comecei a fazer isso é porque eu queria que ela ficasse em sua marcação.'”
A cultura pop era o fôlego da série, e as conversas entre Rory e Lorelai, salpicadas de alusões rápidas a programas de televisão ruins e grandes livros e épocas históricas distantes, foram o mote da série, oferecendo aos fãs uma fantasia utópica de amor familiar fundamentada na profunda apreciação de Cop Rock. Um único episódio pode fazer referência a Nikolai Gogol, A Família Sol-Lá-Si-Dó, à banda punk Agnostic Front, ao Nico do Velvet Underground, Um Violinista no Telhado, David Hockney e a Guerra Franco-Prussiana.
“Houve uma menção ao Oscar Levant lá, e se você não sabe quem ele é, tudo bem! Pesquise”, disse Sherman-Palladino.
Talvez em parte por ser na novata The WB, onde disputava audiência com gigantes como Friends e American Idol, e em parte por sua reputação como uma série “de menina” em uma época onde se venerava anti-heróis masculinos de meia-idade como Tony Soprano, Gilmore Girls nunca tenha recebido atenção nas premiações. A série foi indicada e venceu o Emmy de melhor maquiagem.
“Ficamos continuamente chocados por sermos esquecidos pela Academia e nunca termos recebido nenhuma indicação para a série ou atuação individual”, disse Patterson. “Não que estivéssemos fazendo isso para ganhar prêmios, mas você quer ser reconhecido. Você quer receber crédito.”
O elenco e a equipe ficaram consternados porque Graham, em específico, nunca recebeu a indicação ao Emmy que eles acreditavam que ela merecia. “Não consigo nem pensar em mais ninguém que pudesse fazer o que ela fez”, disse Lawrence. “E eu odeio que ela não tenha sido reconhecida por isso.”
Alguns veteranos de Gilmore culparam o sexismo pelo status de série de segunda linha. Séries sobre triunfos e sofrimentos comuns de mulheres até recentemente eram tratados como se fossem de interesse inerentemente limitado.
“A indústria é realmente conservadora e não sabe como as coisas são boas, especialmente quando são escritas e criadas por mulheres e sobre mulheres”, disse Babbit.
Gilmore Girls fez 20 anos enquanto estávamos quase todos agachados em nossas casas, separados e ansiosos, aguardando boas notícias e o eventual retorno das atividades. Para muitos fãs, Stars Hollow sempre foi seu lugar feliz, e agora é mais do que nunca.
“Estou na Califórnia agora, você não pode respirar, você não pode sair e estar com outras pessoas, essa eleição está se aproximando”, disse Stephens em outubro. “O mundo pode ser um lugar assustador, mas em Stars Hollow, você pode ir lá e o mundo ainda é esse lugar maravilhoso e adorável.”