O sucesso de Gilmore Girls pode ser atribuído a muitas coisas: a beleza e o charme de suas protagonistas – Lorelai como a mãe que todos nós gostaríamos de ter tido (ou de ter) e Rory como a filha que todos nós gostaríamos de ter (ou de ter tido) -, o animado e excêntrico charme de Stars Hollow – a cidade onde ninguém se perde ou se sente sozinho -, o gradativamente excitante romance entre Lorelai e Luke, a lista de namorados de Rory – cada vez mais atraentes e impossíveis – e os desastres dos jantares de sexta-feira à noite com Emily e Richard. Sim, todos estes aspectos contribuem para fazer de Gilmore Girls uma série indispensável, mas qual é o ingrediente que mantém os espectadores presos de uma temporada a outra? Ah, é o diálogo.
Sim, é a tagarelice rápida, sarcástica, engraçada e inteligente que Lorelai dispara e Rory rebate como se fosse um jogo e é arremessada para nós para que possamos jogar também. Todas as séries têm diálogo, mas muito poucas o usam tão bem e nenhuma delas dá tanta importância a ele do jeito que Gilmore Girls dá.
Dominar este discurso é um desafio pelo qual os escritores de Gilmore Girls passaram toda semana e eles o realizaram tão bem que, na minha opinião, eles têm em mente as regras básicas para um excelente diálogo:
Mantenha o ritmo
E como mantêm! Bem, eles têm que manter. Numa série comum, uma página do roteiro equivale a um minuto do episódio e a média de um roteiro é 50 páginas (deixando a opção de cortar algumas cenas para o episódio conter 48 minutos), mas os roteiros de Gilmore Girls possuem de 77 a 78 páginas. Isto significa que os personagens precisam falar rapidamente seus textos:
Rory: Ei, minha mãe não está usando calcinha.
Lorelai: Oh!
Rory: Bem, você não está.
Taylor: Você está sendo egoísta, Luke.
Lorelai: E eles nem ligam. Eu não aguento mais.
Taylor: Estamos falando do espírito do outono.
Lorelai: (Ela mesma pega o café e levanta a tampa dos muffins) Qual sabor de muffin você quer?
Rory: Mirtilo.
Luke: Quer saber onde você enfia o espírito do outono? (Dá um utensílio para Lorelai pegar os muffins) Aqui, não pegue com a mão.
Taylor: Acho que você não está me levando a sério.
Luke: Por que você acha isso? (Para Lorelai, que está saindo) Sem gorjeta?
Lorelai: Ah, sim, uma dica… sirva seus clientes.
Luke: E uma dica pra você… não sente em bancos gelados.
(T1E7: “Kiss and Tell”)
Converse com o espectador
Não sei quando a burrice começou a ser uma boa ideia na TV, mas é um erro e os escritores de Gilmore Girls sabem disso. O lema deles é “Todo mundo aqui é inteligente e você também”. Eles não subestimam os espectadores. E o que realmente impressiona é a amplitude: referências a filmes, televisão, literatura, música, sociedade e política são jogadas dentro da conversa e passam despercebidas enquanto os personagens seguem para o próximo tópico, nunca parando para questionar ou explicar.
Lorelai: (Para Rory) Nós não iremos brigar num quarto florido com dentistas cantando ‘Gypsies, Tramps and Thieves’ ao fundo. Seria muito David Lynch!
(T2E4: “The Road Trip to Harvard”)
Paris: Uau, você está sempre tão Desmond Tutu-y. Isto é animador.
(T6E5: “We’ve Got Magic to Do”)
Babette: O Morey odeia ser o primeiro em tudo. Ele acha que isso prejudica sua credibilidade nas ruas.
Morey: Charlie Parker sempre esteve atrasado para tudo.
Babette: Charlie Parker tinha mais drogas nele do que uma farmácia.
(T2E10: “The Bracebridge Dinner”)
Diálogo burro é diálogo chato. Os escritores de Gilmore Girls nunca cometeram este erro.
Lembre-se que o melhor diálogo é aquele que você não ouve
Conversas óbvias são outra forma de burrice, deixando o espectador sem chances de fazer conexões. Pior que isso, não é real. As pessoas na vida real não falam com clareza, elas falam de forma oblíqua e é por isso que o bom não está nas palavras, e sim, ao redor delas. Está nos espaços entre as falas paralelas e sem frescuras, como nesta troca de tragédias:
Madeline: Meu irmão está com sarampo.
Louise: Minha mãe está tendo um caso.
(T1E13: “Concert Interruptus”)
Está no ritmo das rápidas trocas do tipo você-sabe-muito-bem-o-que-eu-quero-dizer que chegam a parecer poesia:
Lorelai: Ela não vai andar na sua moto.
Dean: Eu não tenho moto.
Lorelai: Ela não vai andar na sua moto.
Dean: Tudo bem, ela não vai andar na minha moto.
(T1E7: “Kiss and Tell”)
Está nas junções exasperadas que fazem as conversas parecerem performances de trapezistas com as mãos suadas:
Emily: Então, o que exatamente há entre vocês dois?
Luke: Nada. Sério. Nós somos amigos. Só isso.
Emily: Vocês são idiotas, os dois.
(T1E10: “Forgiveness and Stuff”)
E está no diálogo que acontece no mundo da série que só o espectador conhece:
Lorelai: O mundo muda quando neva. Torna-se quieto. Tudo se acalma.
Michel: Ligação da sua mãe.
Lorelai: E então a chuva chega.
(T1E8: “Love and War and Snow”)
É necessária uma grande parcela de confiança e respeito à audiência para deixar as melhores partes ocultas e os escritores de Gilmore Girls têm claramente ambos. Não é tão surpreendente, portanto, que os espectadores tenham sido recíprocos desde então.