Reportagem: Jessica Shaw
Fotos: Chris Craymer
Tradução: Guto Júnior / Gabi Guimarães / Evandro Marra
Vai ter café. Muito café. Mas nesta tarde de final de inverno nos estúdios da Warner Bros. onde Casablanca, Nasce Uma Estrela e Todos os Homens do Presidente filmaram cenas lendárias, este momento em particular não necessita de nenhum empurrãozinho. “Parece uma noite de uísque”, Lorelai Gilmore (Lauren Graham) informa sua problemática mãe, Emily (Kelly Bishop), enquanto se prepara para os coquetéis pré-jantar. Nós poderíamos dizer a vocês por que ela está lá, ao lado de quem ela está sentada, quem foi convidado ou não e por que as cortinas viraram assunto, mas esses segredos do set estão muito bem protegidos e escondidos embaixo do piso do quarto de Lane Kim, lá da época do Ensino Médio.
Esqueça o uísque – quem topa um brinde de champanhe? Nove anos após as garotas Gilmore Lorelai e Rory se sentarem para sua última rodada de café no Luke’s Diner, o drama dolorosamente delicado e profundamente hilário de mãe-e-filha na cidade excêntrica está retornando pela Netflix ainda este ano para quatro filmes de 90 minutos intitulados “Inverno”, “Primavera”, “Verão” e “Outono”. É uma ótima ligação a “You’ve Got a Friend”, letra escrita pela estrela convidada Carole King, que canta a música-tema da série, “Where You Lead” (Sim, ambas voltarão!).
“É estranho. Mas muito adorável. Como uma reunião familiar, de certa forma. Aquela família estranha que se encontra uma vez por ano”, diz a criadora da série Amy Sherman-Palladino, que se tornou para os aficionados por Gilmore (Dragonflies?) uma grande, senão a celebridade maior do que os quase desconhecidos que ela escolheu em 2000 para o piloto da WB. Sentada em seu escritório verde-e-rosa decorado no estilo das casas de champanhe Veuve Clicquot a poucos metros do set, Amy é previsivelmente cautelosa, ferozmente protetora, checa seu Apple Watch o tempo todo para resolver problemas na continuidade sobre onde “Primavera” está sendo rodado por seu marido, Daniel Palladino.
O fato de Amy e Dan estarem dando vida nova a esses personagens é um pequeno milagre, considerando que a dupla foi banida de Stars Hollow em 2006, antes da sétima e última temporada da série, por conta de uma disputa contratual. Mas os pecados do passado parecem ter sido perdoados. “Aconteceu do jeito certo”, diz Amy. “Os Warner nos trataram como avós amorosos”.
Gilmore Girls pode ter sido rebaixada nos livros de história da televisão como um drama modesto com seguidores apaixonados em um canal extinto. Mas após a Netflix começar a exibir a série original em outubro de 2014, uma nova geração de “coroinhas” – a maioria meninas adolescentes – começaram a parar Amy e Dan nas ruas, ansiosos para compartilhar opiniões acaloradas sobre se Rory deveria ficar com Jess (Milo Ventimiglia) ou Logan (Matt Czuchry) ou se Lorelai realmente deveria estar tomando aquela terceira xícara de café. Percebendo que o timing para o revival poderia ser aquele, na última primavera Amy e Dan refugiaram-se em uma pousada em Sag Harbor, Long Island, com uma pilha gigante de fichas e uma caixa de canetas Sharpies, mapeando enredos para uma sequência de quatro episódios estendidos.
“Estranhamente, minha preocupação inicial era ‘Caramba, temos o suficiente para enchermos uma hora?’ e rapidamente se tornou ‘Teremos que cortar m—- fora’”, Amy relembra. Perto do final da primavera do ano passado eles estavam dando forma aos quatro filmes nas redondezas da cidade, gastando uma hora e meia em cada pausa, em que, Dan diz: “olhos não reviraram, o que de vez em quando acontece em nosso ramo de trabalho”. Na época, 15 membros do elenco se reuniram em junho no ATX Television Festival em Austin, um acordo com a Netflix (que por sinal se tornou o salva-vidas das segundas chances graças a Arrested Develpoment e Fuller House) estava a caminho.
Embora os contratos do elenco não tenham sido assinados até uma data perigosamente próxima do início das gravações, foi muito fácil convencer os antigos moradores de Stars Hollow a se mudarem para lá novamente. “Sabe quando você termina a faculdade e você está alguns anos mais velho e pensa ‘eu queria poder fazer isso agora, porque eu aproveitaria muito mais a experiência, a entenderia melhor e conseguiria tirar melhor proveito disso’? Esta é a oportunidade que eu tenho agora, e eu sou grata por cada dia que tenho aqui”, diz Graham, que passou seus anos pós-Gilmore criando filhos menos perfeitos em Parenthood (a sua filha Braverman, interpretada por Mae Whitman, participará do revival). Bishop continuou na família, trabalhando com Amy e Dan na curta série Bunheads, da ABC Family, enquanto conversava frequentemente com Amy sobre o progresso de “Gilmore 2.0” (no último Dia de Ação de Graças, Amy enviou uma mensagem a Bishop enquanto escrevia roteiros e assava o peru para o jantar). Bledel tinha preocupações, incluindo, como ela mesma disse, “qual seria a história? Eu não conseguia imaginar para onde a história foi depois do ponto onde paramos. A Amy sempre disse que tinha uma visão muito clara – mas ela não nos contava qual era”.
Enquanto isso, Amy tinha suas próprias preocupações sobre o elenco se readaptar a uma série com um ritmo tão rápido que até Aaron Sorkin diria “tio”. “Eu estava preocupada com uma curva de aprendizagem. As pessoas irão lembrar de como nós falamos rápido? Levamos um ano para que elas aprendessem a falar daquela maneira. As pessoas irão lembrar do que significavam umas às outras?”, ela lembra. Amy não precisava se preocupar. “Eu tive dificuldades no começo. Eu lembro de olhar para o nosso treinador de diálogos e dizer ‘eu não sei se consigo fazer isso’”, lembra Scott Patterson, que interpreta o noivo de Lorelai e seu principal fornecedor de cafeína, Luke Danes. “Mas quando eu entrei na lanchonete pela primeira vez, tudo ficou melhor. Foi como se o tempo não tivesse passado”. Para Bishop, o maior desafio foi se readaptar aos sets recriados e ao penteado inadequado e cheio de laquê. “Eu disse ‘O cabelo dela é assim. Isso é um capacete. Isso não se move. Não há nada de natural neste cabelo’”. Graham rapidamente voltou à sua personagem, talvez ainda melhor do que os roteiristas esperavam. “A Amy aceitou uma das minhas improvisações”, Graham ri da diretora que é notoriamente apegada às palavras de seu roteiro. “Isso literalmente nunca aconteceu em sete anos. Ela falou ‘faça isso!’, e eu fiquei ‘como assim?’”.
Além das improvisações muito, muito raras, Amy e Dan são os únicos contadores desta história (o primeiro e quarto filmes foram escritos e dirigidos por Amy; o segundo e o terceiro foram escritos e dirigidos por Dan). E embora eles desprezem spoilers mais do que Taylor Doose odeia trovadores, nós conseguimos descobrir algumas informações: os filmes passarão oito anos depois da 7ª temporada, que, aliás, Amy ainda não assistiu, apesar de ter garantido que suas novas histórias não contradirão nada do que foi ao ar. Quando o episódio “Winter” começa, Lorelai e Luke ainda não estão casados. O único artigo de Rory que foi publicado no The New Yorker não ajudou exatamente suas aspirações jornalísticas, e ela está vivendo uma vida meio vagabunda, e sem ver sua mãe com muita frequência. E a Emily é – peguem seus lencinhos – uma viúva. “Lidar com a morte de Richard irá impactar a vida de todas elas”, diz Amy. “Quando alguém próximo de você morre, a sua vida toda é tomada por um foco estranho por um minuto. É como se disséssemos ‘para onde estou indo?’”.
A morte de Edward Herrmann, que interpretava o orgulhoso patriarca Richard Gilmore, paira sobre estes filmes tanto temática quanto literalmente. Em uma tarde, enquanto gravavam em um set logo abaixo de uma pintura gigante de Richard proeminentemente pendurada na sala de Emily, as luzes do estúdio se apagaram de repente. Após um breve tempo numa assustadora escuridão, a eletricidade voltou. “Eu disse ‘Ed, foi você?’”, lembra Bishop, que costumava passar seu tempo livre entre uma gravação e outra fazendo palavras-cruzadas com seu marido fictício no trailer da maquiagem, ou bebendo martínis com ele em um bar próximo ao set. “E a Lauren disse ‘Foi o Ed’. Sentimos que ele está por perto”. Graham fica com os olhos marejados à menção de seu amigo, que morreu em dezembro de 2014. “É muito difícil acreditar que ele não está aqui”, ela diz. “Esta é uma experiência bastante emocional. Eu nunca tinha passado tanto tempo com uma família da TV. Passamos por muita coisa juntos”.
Quanto ao resto da família, quase todos da turma de Connecticut estarão de volta. Você terá seu trio de romances de Rory com Jess, Logan e Dean (Jared Padalecki); a rival que virou amiga de Rory, Paris Geller (Liza Weil); e o pai de Rory, Christopher (David Sutcliffe). A peculiaridade da cidade está a bordo e a Brigada de Vida e Morte também. Mesmo assim, a ausência de Melissa McCarthy, que interpretou a desastrada chef de cozinha Sookie St. James, obviamente parece errada. McCarthy disse várias vezes no Twitter e em entrevistas que não foi convidada para aparecer nos filmes, e embora Amy e Dan não sugeriram à Netflix um enredo para ela porque eles estavam cientes de sua agenda de superstar ocupadíssima, eles insistem que entraram em contato. “As redes sociais fazem as pessoas se irritarem umas com as outras sem motivo”, Amy diz. “Não há nada de mal-intencionado acontecendo. Nós acabamos de divulgar para todo o universo: estaremos aqui até 10 de maio. Eu sei como a cena é. Vou esclarecer para ela. Ela corre aqui, filma e vai embora. Eu consigo fazê-la entrar e sair em duas horas.” Por outro lado, nem toda negociação foi complicada. Sparky reprisará seu papel como Paul Anka, o cachorro de Lorelai.
Por conta de outras informações não autorizadas, membros da equipe vigiam os frequentes ônibus do tour da Warner Bros. como agentes do Serviço Secreto, prontos para confiscar um iSpoiler. Mesmo assim, alguns detalhes vazaram. Um visitante publicou no Instagram a foto de um objeto de cena com a identificação “casamento”. E os rumores dispararam quando Michael Winters, o ator que interpretou Taylor Doose, contou ao podcast dos Gilmore Guys que um dos amores de Rory que está voltando “tem uma chance” de ficar com ela no final (A fofoca dele foi retirada do episódio). “É um saco e muito frustrante”, diz Amy. “Nós queremos que seja especial para os fãs, mas vivemos num mundo intrometido.”
Pelo menos o maior segredo sobre o revival continua secreto. Estamos falando, é claro, das quatro últimas palavras, aquele misterioso diálogo com o qual Amy sempre quis encerrar a série, antes da série ser encerrada sem ela. Amy e Dan nunca as haviam revelado (“Nós às vezes as gritamos contra os travesseiros e é só”, brinca Dan) até as reuniões das negociações onde eles as disseram em voz alta e rapidamente declararam que elas nunca estariam no papel. “Amy não sabia que eu não as sabia, então nunca conversamos sobre isso”, conta Graham. “Por algum motivo, minha primeira pergunta foi ‘Quem as diz?’ Porque eu achei que era um personagem, mas são dois. Não é tão definitivo como eu imaginava. Eu achava que era ‘Querida, cheguei em casa!’ ou algo como ‘Até mais, cidade pequena!’ Então eu disse: ‘É sério?’”
Quando Graham leu o último roteiro, ela mandou uma mensagem para Amy: “Eu chorei, chorei, chorei e berrei.” Mas aquelas lágrimas não levaram embora uma ambiguidade relutante. “Ao ler o último episódio, não é totalmente o último. Se fosse um filme de terror, todos os aliens estão mortos e aí, espere, não estão? Eu dizia: ‘Ei, alguém mais percebeu que isso não é um final?’ e Amy e Dan só riram pra mim.” Sobre o final, Bledel enigmaticamente complementa: “É exatamente o que Amy queria. Quem conhece o enredo dela, talvez saberá o que esperar. É sempre surpreendente.”
Espere… o quê? Amy e Dan não se comprometeram com mais coisas de Gilmore, mas também não estão ligados a nenhum outro projeto. “Nós nunca dizemos nunca”, diz Dan. “O elenco não morre numa terrível explosão no final… É um novo mundo e há novas formas de vivenciar as coisas. Quem sabe? O próximo pode ser um programa de rádio. Só nós e alguns microfones?” Amy apenas diz: “Terminei da maneira que eu ia terminar a série.”
A produção – pelo menos por enquanto – se encerra nas próximas semanas (aquelas Pretty Little Liars precisam de seu estúdio de volta) e Amy, Dan e o elenco já deram sua primeira olhada no final. Era um começo de tarde de fevereiro e, ao redor de uma mesa retangular numa sala de conferência bege, a maioria do elenco se reuniu com executivos da Netflix e Warner Bros. Agendar essa mesa de leitura do último capítulo pareceu uma eternidade, e Amy passou o dia frustrada, sendo relutantemente maquiada para a ocasião especial. Nem todos conseguiram aparecer, então Dan leu as falas de Kirk e Jess. E embora o momento final não foi dito em voz alta, os aplausos começaram. E continuaram. E continuaram. E não cessaram. “Foram como aplausos em pé, mas sentados”, conta Patterson, emocionado. Graham relembra: “Eu estava acabada naquele dia e tive que me recompor para dizer minhas falas. Amy e eu nos olhamos enquanto as pessoas aplaudiam e, bem, acho que tínhamos o mesmo olhar em nossos rostos. Apenas… gratidão.” Vamos brindar a isso. Com café, dessa vez. ♦