O tão aguardado livro de memórias de Kelly Bishop acaba de ser lançado nos Estados Unidos. Desde que foi anunciado, meses atrás, fãs já estavam reservando sua cópia na pré-venda. Um detalhe que chamou atenção logo de cara foi o fato de Amy Sherman-Palladino ter escrito o prefácio da obra.
A criadora de Gilmore Girls conta como foi o processo para escolher a atriz que faltava para o papel de Emily Gilmore e declara todo o seu amor por Kelly Bishop em um texto emocionante que você confere a seguir.
“Eu vou saber que é ela assim que ela entrar.”
Era isso que eu dizia.
Estávamos no outono de 1999. Eu tinha acabado de ter um roteiro piloto escolhido pelo canal The WB, com seu sapo mascote dançante e escritórios executivos em um trailer que poderia ser ligado a um carro e rebocado a qualquer momento. Na época, eles estavam se especializando em séries para o público jovem — Dawson’s Creek, Felicity, Buffy, a Caça-Vampiros, etc. Meu roteiro se chamava “The Gilmore Girls”. (O título original tinha um “the”. A emissora teve um ataque cardíaco. Ninguém assistiria a algo chamado The Gilmore Girls. Muito menininha. Os homens não acharão que tem apelo sexual. Os meninos não vão achar que alguém leva um soco. Eles insistiram que mudássemos o nome. Fizeram alguns “testes” e a decisão brilhante foi eliminar o “the”).
Agora, minha série tinha uma protagonista na casa dos trinta anos, o que era um marco no mundo da The WB. Eu sabia que, para dar certo, o núcleo familiar tinha que funcionar. Tinha que ter repercussão em todos. Cada parte do elenco era crucial. Estava fora da zona de conforto da The WB. Então, reuni uma fileira de atores. Lauren Graham foi a nossa Lorelai Gilmore. Ed Herrmann era o pai dela, Richard Gilmore. Alexis Bledel foi a filha de Lorelai, Rory. Faltava uma peça vital…
Emily Gilmore, a matriarca endinheirada do clã Gilmore. Eu sei exatamente quem ela deveria ser em minha cabeça. Eu a vejo. Vejo sua arrogância. Seu olhar gelado. Seu humor cortante. Sua elegância. Sua profunda mágoa e vulnerabilidade, que ela cobre com sarcasmo e tailleurs da Chanel. Está claro como o dia em meu cérebro. Tudo o que preciso fazer é encontrar a atriz para interpretá-la.
Gilmore Girls é minha primeira série de uma hora de duração. Ninguém acha que eu sei o que diabos estou fazendo. Temos visto todas as atrizes com mais de 50 anos (o que parecia ser) do mundo inteiro. Atrizes maravilhosas com créditos maravilhosos vêm e leem para nós. E depois que cada uma delas sai, meu diretor e meu parceiro de produção, sentados um do lado do outro, olhamos um para o outro com esperança. “Bem, ela foi boa. Vamos trazê-la de volta?” E o anjo da morte sentado no meio diz: “Não. Essa não é a Emily”. Agora, devo dizer que simpatizo com eles. Estamos sentados nessa sala sombria há semanas. Sentimos que poderíamos morrer aqui. Meu parceiro de produção começa a ficar irritado. “Todos esses bons atores chegam e você continua dizendo não. Que diabos está procurando?” Dou de ombros como o idiota que sou. “Eu vou saber que é ela assim que ela entrar.”
Três dias depois, mais mulheres. Mais boas audições. Mais bons créditos. Agora há sussurros atrás de mim. Escondidos nos cantos. Estou sentindo um momento O Senhor das Moscas vindo em minha direção. Eles estão conspirando para me matar. Eu entendo. Talvez eu os ajude. Isso também está me deixando louca. Nós nos sentamos e nos preparamos para outra rodada de “Não. Não é essa”. A porta se abre.
E então ela entrou.
Kelly Bishop, anteriormente conhecida como Carole Bishop, abriu as portas da esperança. (A propósito, pergunte a ela por que mudou seu primeiro nome de Carole para Kelly depois de ganhar o Tony. Ela já me contou a história pelo menos duas vezes. Ainda não entendi.) Kelly era majestosa, com uma voz de uísque e um timing cômico perfeito. Ela se sentou, cruzou suas fabulosas pernas de dançarina e abriu a boca. Com três palavras — eu sabia. Essa era Emily. Não havia segunda opção. Eu não ia morrer hoje.
Então, Gilmore Girls se tornou Gilmore Girls. Sem Kelly, nunca teria funcionado. Sem Kelly, eu nunca teria conseguido ter um cômodo totalmente dedicado a chapéus no meio da cidade de Nova York.
Se ela não tivesse entrado…
O show business é muito estranho. Você trabalha com pessoas extremamente próximas durante anos, a série acaba e você nunca mais fala com elas. Todas as promessas de jantares constantes, coquetéis e aniversários a serem comemorados desaparecem. A série inteira se torna uma lembrança. Um sonho febril em que você era mais jovem, mais magra, com muitos amigos para cantar “Parabéns a Você” e você achava que aquele momento nunca iria acabar. Amigos do showbiz não são necessariamente amigos de verdade. Mas, desde o momento em que entrou naquela sala monótona e triste, cheirando a café ruim e desespero, Kelly Bishop tem sido uma presença constante em minha vida. Fiz outra série com ela depois de Gilmore — Bunheads (que escrevi para ela, apesar do fato de ela não estar disponível por estar na Broadway. Eu ignorei isso. É Kelly ou ninguém). Ela esteve em A Maravilhosa Sra. Maisel (algumas vezes — não o suficiente, mas tente tirá-la de Jersey). Ela estará em minha próxima série. E na próxima. Ela estará em qualquer coisa que eu fizer enquanto eu tiver um pensamento coerente em minha cabeça. Mas, o que é ainda mais importante, ela será minha parceira de farra, minha amiga pra tomar uns gorós estilo Joe Allen, minha mulher favorita no mundo, pelo resto da vida.
Sua história é incrível. Sua carreira é vasta. Eu a pressiono para que escreva suas memórias desde sempre. Graças a Deus, ela finalmente me ouviu.
Senhoras e senhores, apresento-lhes Carole Bishop!
Desculpe. Kelly. Que porcaria. Por que você mudou seu nome de novo?
Quem se importa? Eu amo você.
Amy
The Third Gilmore Girl, de Kelly Bishop. Copyright © 2024 por Kelly Bishop. Gallery Books, uma marca da Simon & Schuster, LCC.
The Third Gilmore Girl já está disponível na Amazon nas versões física, ebook e audiolivro.